Dona Maura – a mãe da Menina Janaína


Em 2018, quando fiz o projeto no Cemitério do Avareí para colocar QR Codes nos túmulos que tivessem interesse histórico e cultural para a cidade, logicamente dava como certo que entre os 60 jazigos, o da menina Janaina estaria entre eles. À primeira vista, pensava ser um espaço muito antigo, assim como aquele onde Dona Adélia está sepultada, ambas consideradas como “seres milagrosos”.

Mas, não! Na quadra Piedade, uma pequena gruta bem chamuscada pelo fogo das velas, acolhia a menina Janaina, falecida no “recente” ano de 1976. Mas qual seria sua história, já que tantas correm de boca em boca? No livro de óbitos do cemitério, descobri seu nome completo, a data de sua morte e o nome de seus pais. Era tudo que tinha além de várias versões obtidas na internet e no Arquivo Público Municipal.

Túmulo de Janaína

Passados quatro anos, a ideia de procurar mais informações a respeito ainda me vinha à cabeça. Seus pais ainda estariam vivos? Se os encontrasse saberia a real história de Janaína. Novamente, a internet veio em meu socorro. Entre uma e outra pesquisa, encontrei algumas pistas sobre possíveis parentes e endereços. Dias antes de completar 46 anos do falecimento da menina, resolvi arriscar e bater à porta de uma casa no Parque Califórnia, sem saber ao certo o que iria encontrar. Levava uma certa ansiedade, misturada com receio de ser mal interpretado em minhas intenções. Pedi para minha esposa chamar por Dona Regina, nome da mãe de Janaina. Acreditei que uma mulher fosse menos invasiva ao tratar de um assunto, supostamente delicado. Demos sorte! Fomos muito bem recebidos por Dona Maura (assim ela prefere ser chamada), que logo chamou sua filha Marisol: “Vem cá! Eles querem falar da Janaína”.

A gente que mora em Jacareí desde sempre, acha que conhece todo mundo. Qual o quê! A dona Regina Maura dos Santos era filha do seu José dos Santos. Não conhece? E se eu disser que o avô da Janaína era o “Zé Grilo”, cantor muito conhecido dos tempos da Banda R-7? Pois é! Mundo pequeno…

Quando Janaína nasceu, Dona Maura não havia completado vinte anos. Aliás, esse nem seria o nome da criança. Quando estava no sétimo mês de gravidez, já com uma barriga enorme, num passeio na praia da Cocanha, em Caraguatatuba, seu marido sugeriu a ela o nome de Janaina, o qual segundo as tradições dos cultos afro-brasileiros, é uma das variantes de Iemanjá, orixá que simboliza a divindade do mar.

– De jeito nenhum, Déo! Minha filha vai se chamar Samantha.

Pois bem, para agradar a todos, sem desacreditar de nenhuma religião ou seita, nascida a criança em 2 de abril de 1976, às 17h20, na Santa Casa de Jacareí, o pai José Deoclécio Velloso, juntamente com o avô Zé Grilo, foram ao cartório e a registram como “Janaina Samantha Aparecida dos Santos Velloso”. Acrescentou-se “Aparecida”, uma promessa da mãe.

Regina Maura dos Santos e José Deoclécio Velloso
Os cantores Miragaia e Zé Grilo

 

Janaína nasceu com 3,250 quilos e poucos dias depois teve uma febre muito alta. Levada em consulta, o pediatra Dr. Telmo tranquilizou o casal afirmando ser apenas uma desidratação. Após o quadro agravar e sentirem-se negligenciados em novo atendimento, resolveram levar a criança ao hospital, indo diretamente para a UTI neonatal com uma infecção brônquio pulmonar. Dona Maura ainda lamenta: “não teve jeito. Demorou muito”.

Receoso, o pai procurou batizar a criança. No entanto, um padre negou o pedido de ir até o hospital: “Não, não vou. Não precisa. Qualquer um pode batizar”. Janaina acabou batizada pela tia Regina, na companhia de Maura e uma enfermeira. Diante de uma melhora no quadro de saúde da menina, Maura foi até sua casa pegar roupinhas para sua filha. Quando chegou ao hospital, Janaína estava morrendo. O bebê parecia realmente um anjinho: bem clarinha, boquinha vermelha, macacãozinho, blusinha de frio e gorrinho de lã. Tudo branco. Após quatro dias no hospital, Janaína morreu na noite do dia 16 de abril. Quatorze dias de uma breve existência. Foi sepultada no dia seguinte, por coincidência, aniversário do pai.

Durante três anos, o local onde Janaína foi sepultado era somente um túmulo simples, cercado por uma muretinha de tijolo. Em 1979, seu Deoclécio mandou construir um túmulo diferente, bonito e alegre, uma maneira de amenizar o frágil estado psicológico de sua esposa: uma gruta, no formato de meia lua, revestida com pedras de quartzo rosa. No interior, uma miniatura de chalé especialmente feita no Rio de Janeiro, com lago, árvores e grama sintética. Na parte superior, o céu com nuvens brancas e um único anjinho. Seria o “Cantinho da Janaína”.

Na época, a família tinha um automóvel modelo Brasília. Voltando de São Paulo com as pedras de quartzo ocupando o bagageiro dianteiro do carro, sofreram um grave acidente. Dona Maura ainda mostra as cicatrizes em seu braço direito. As pedras atenuaram o acidente. Seria a primeira intervenção do pequeno anjo?

Segundo relatos, o primeiro milagre ocorreu quando uma senhora que sofria com uma catarata infecciosa gravíssima, esteve diante do túmulo de Janaína, fez uma oração e levou aos olhos a água do pequeno lago. No dia seguinte recebeu de seu médico a notícia que não precisaria se submeter a uma cirurgia anteriormente programada. O fato logo se espalhou, iniciando-se a crendice popular. No local, é grande a quantidade de velas a ponto de o fogaréu destruir toda a decoração e pretejar suas pedras rosas. Alguém colocou uma grade para proteger o espaço. Nada adiantou.

O jazigo é um dos mais visitados no Cemitério Campo da Saudade, principalmente às segundas-feiras pela manhã e no Dia de Finados. Os fiéis aumentaram. Entre chupetas, doces e brinquedos, são muitos os objetos deixados no túmulo. Muitas histórias são contadas: que Janaína teria se afogado, engolido a chupeta, caído num poço. Passados tantos anos, Dona Maura hoje ri de algumas situações, quando algumas mulheres que encontrou em frente ao túmulo diziam-se a mãe de sua própria filha.

Seu Deoclécio faleceu em 2009. Os pais sempre acreditaram que a filha Janaina ajuda as pessoas, levando paz espiritual. Dona Maura não tem uma religião específica. Crê em Deus, Cristo e em seu anjo guardião. Aos 65 anos, conta sua história, mas gosta de descrição. Recentemente, ela e a filha Marisol, uma bióloga de 31 anos, levaram ao túmulo três joguinhos de meias infantis em agradecimento a uma graça alcançada. No plano espiritual, Janaína segue em vigília à família e provavelmente àqueles que a ela pedem com fé.

Fonte: Relatos pessoais de Regina Maura dos Santos e Marisol dos Santos Velloso
Arquivo Público de Jacareí – Pesquisa de André Roque dos Santos.

Deoclécio, Marisol e Regina Maura  – TCC – O Vale dos Santos – Cristiane Gonçalves e Leandra Rocha – 2002

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