Abolicionismo – A versão de Azevedo Sampaio (para inglês ver)


Você deve ter visto nos veículos de mídia local, o “copia / cola” do release enviado pela Prefeitura Municipal de Jacareí acerca do lançamento da 2ª Edição do livro “Abolicionismo”, escrito por Azevedo Sampaio em 1890.

Esta nova edição teve um capricho especial na realização, com ilustrações e inserção de textos extras, como biografias de expoentes do movimento negro, além de nova apresentação, prefácio e posfácio. Este, aliás, traz uma frase bem marcante da historiadora Ana Luiza do Patrocínio: “…a história da liberdade em Jacareí ainda está para ser escrita”.

Biografia de José Simplício – faltou colocarem o Site de Jacareí como fonte

Abaixo segue o release enviado pela Secretaria Especial de Comunicação e Direitos Humanos, com certas considerações.

“Prefeitura de Jacareí relança livro “Abolicionismo”, que conta a história do fim da escravidão no município, antes da assinatura da Lei Áurea – Livro foi escrito por Azevedo Sampaio, líder do movimento abolicionista na região. ”
Data em que a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel, o 13 de maio é lembrado nacionalmente desde 1888 como o Dia da Abolição. Entretanto, é motivo de orgulho para Jacareí e seu povo um fato que aconteceu dois meses antes, quando o Clube Abolicionista, liderado pelo farmacêutico português Azevedo Sampaio, organizou uma passeata com a participação de outros abolicionistas para juntos, libertarem todos aqueles que ainda eram vítimas de trabalho escravo no município.

1Ainda que válida a intenção no relançamento do livro (cujo original poderia ser baixado gratuitamente na site da biblioteca do Senado Federal), me parece estranho que o movimento negro, em Jacareí representado pela Subsecretaria de Igualdade e Direitos Humanos, venha a comemorar alguns acontecimentos, seja o 13 de maio ou a tal “passeata” havida na cidade dois meses antes da Lei Áurea. Sabe-se que tais datas estão desprestigiadas há um bom tempo, desde que se resolveu destacar o papel dos próprios negros em sua emancipação, passando-se a comemorar o dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra, relembrando a morte de Zumbi dos Palmares. O dia 13 de maio, assim como o livro de Azevedo Sampaio, apresenta-se, em certa perspectiva, “como um ato de generosidade da elite branca”, contrapondo-se à resistência e combatividade dos negros no processo escravocrata. Será que a nova subsecretaria lutará por uma nova data comemorativa em solo jacareiense? Aliás, seria muito interessante que também se regularizasse a data de aniversário de Jacareí que é 24 de novembro (Dia da Criação da Vila). Olha aí, um feriadão pintando no final do ano!!

2Cabe também uma correção: não houve passeata para libertação dos últimos escravizados. Houve uma festa para comemorar uma “Jacarehy Redimida”. Aliás, em 18 de março de 1888,  deu-se a carta de liberdade ao último escravo, Vicente que “era tão branco como nós”, conforme escreveu o próprio Azevedo Sampaio.

“É esta história, com riqueza de detalhes, que conta o livro “Abolicionismo”, relançado no sábado (18) pela Prefeitura de Jacareí, por meio da Subsecretaria de Igualdade e de Direitos Humanos. A obra foi escrita pelo próprio Azevedo Sampaio e remonta o movimento abolicionista na região, com a libertação de dezenas de escravizados, casos de prisões e resistência.

“É uma data histórica, graças a este movimento de luta contra o processo de escravidão e uma inspiração muito grande para as novas gerações. Jacareí marcou o país, por meio do senso de luta e humanidade de uma parcela significativa do seu povo”, explica Ivani Melo, assessora da Subsecretária de Igualdade e de Direitos Humanos, e responsável por escrever a ‘Apresentação’ desta nova edição.

3Azevedo Sampaio, apesar de um tanto controverso, talvez fosse um abolicionista em seus ideais. Ainda, em 1880, junto com o Cônego José Bento, buscou libertar um preto livre, de Jacareí, vendido por seu próprio padrinho e que estava preso na cidade de Socorro. No entanto, a obra, apesar de trazer fatos históricos daquela época, é uma narração de sua participação no movimento abolicionista local. É a sua versão. Logicamente ele não iria explicitar claramente algumas de suas posições, embora no livro ele se refira “aos erros de 26 de novembro de 1883”. Mas o que teria acontecido naquela data?

Explico: naquela ocasião, o tabelião Coronel Rocha Martins (um idealista, abolicionista raiz), o advogado Antônio Henrique da Fonseca e o italiano Nicolao Chioffi foram expulsos de Jacareí sob acusação de incentivarem a fuga de escravos. Em seu livro, Azevedo Sampaio disse-se “enrolado” naquele fato, já que era um dos 170 signatários do abaixo-assinado pela expulsão, encabeçado pelo Dr. Lúcio Malta, numa ação de defesa de interesses escravocratas. Muitos dos homens que também assinaram o manifesto, estavam na fundação do Clube Abolicionista de Jacareí.

Sempre é bom lembrar que Azevedo Sampaio, além de farmacêutico, era “secretário” e perito em inquéritos policiais, convivendo muito proximamente com os poderosos da época. Logicamente temia e era submisso aos interesses dos escravocratas, além de ter interesses pessoais a defender. É certo que o advogado expulso movia uma ação contra Sampaio, alegando que sua “botica” estaria funcionando ilegalmente.

Em 1887, Sampaio já sabia que aquele fato era uma mancha em sua história, não combinando com aquele “homem em reconstrução”, nem com a sociedade em que vivia. No clube onde ele foi alçado ao cargo de presidente, não abandonou os senhores de escravos, nem ignorou os interesses daqueles. Até certo ponto, assumiu um comportamento moderado, buscando negociar as liberdades, como propondo a libertação após a prestação de serviços por mais três anos.

Porém, apenas um mês após a criação do clube abolicionista, os escravos começaram a abandonar as lavouras, demonstrando claramente que não concordavam com aquele tipo de acordo. Somente após sentir-se descartado pelos escravos, traído pelo poder judiciário e pelos escravocratas que pediram a prisão dos membros do clube, Sampaio assumiu uma posição mais radical nas iniciativas abolicionistas.  

A fala é corroborada por Girlaine Dias dos Santos, subsecretária de Igualdade e de Direitos Humanos. “Ao falar de política pública, nos dias de hoje, é necessário fazer a reparação da história e aplicar a equidade, para que possamos um dia ser um país verdadeiramente democrático. Jacareí faz a lição de casa ao permitir que todos tenham acesso a esta obra”, reafirma, sobre o livro lançado originalmente em 1890 e, agora, publicado oficialmente em sua segunda edição, mais de um século depois. A obra estará disponível na Biblioteca Municipal “Macedo Soares”. 

Preservar a Memória

É importante destacar que Benedicto Sérgio Lencioni, historiador e ex-prefeito de Jacareí por duas gestões, imprimiu em 1980, em seu primeiro período como chefe do Executivo, algumas unidades do livro “Abolicionismo”, ainda que não tenha sido uma nova edição. “Trata-se de uma obra rara, na biblioteca da cidade só existia um exemplar, e a gente cuidou de distribuir outras impressões para preservar a memória. Nossa cidade tem uma história muito significativa que se relaciona com diversos fatos marcantes do Brasil. É uma leitura agradável e surpreendente”, disse BSL, que assina a apresentação da edição comemorativa. 

4Dois fatos interligados: a edição do livro e a preservação da história. O livro é um primor em sua edição, cometendo aqui e ali, alguns deslizes, exatamente quando tentaram falar além do texto original. Por exemplo: na pequena biografia de Azevedo Sampaio menciona-se “que ele ao assistir à ação de centenas de pessoas atravessando a ponte e libertando dez pessoas escravizadas” quando no livro, o próprio Sampaio assim descreve: “deixei-me ir naquela onda respeitável, que avaliei superior a 80 pessoas(Até parece que não leram o livro original). Na biografia de Zumbi dos Palmares, é mencionado que “o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão”. Isso não é verdade: foi o último país ocidental. Outros países aboliram a escravidão posteriormente, como a Nigéria, a Arábia Saudita e a Mauritânia, respectivamente em 1936, 1962 e 1981.

Quando se trata de preservar a história, onde estava a subsecretaria de Igualdade quando da desativação e permuta da Igreja do Rosário e de São Benedito dos Homens Pretos? Precisou cair “um pedacinho da igreja” para que uma Ação Popular viesse em defesa de nosso patrimônio.

Já o atual prefeito de Jacareí, Izaias Santana, completa, destacando a movimentação antiescravista da época. “Jacareí tinha cerca de 12 mil moradores quando aboliu a escravidão, dois meses antes da assinatura da Lei Áurea. Destes, 3 mil foram para as ruas. Nos dias de hoje, seria como 70 mil pessoas indo unidas para as ruas, lutar por justiça. Foi assim que Jacareí disse, em uma só voz, que não suportaria mais ver uma pessoa escravizada”, encerrou. 

5 Isso é fato! Os números foram informados pela Jornal “A Redempção – Folha Abolicionista”. Certamente, se na época a estimativa de público fosse feita pela Polícia Militar ou o Datafolha, os números poderiam ser outros, para mais ou para menos.

A verdade é que na ocasião “Ninguém quis prescindir da glória de ter tomado parte da façanha”, exceto a Câmara Municipal, que mesmo convidada não compareceu aos festejos de março de 1888. Sim, naquela época já existia cabresto.

O livro “Abolicionismo” de Azevedo Sampaio, lançado em 1890, é interessante por narrar fatos ocorridos em nossa cidade. Nem mesmo é original no nome, haja vista Joaquim Nabuco ter lançado em 1883, seu livro “O Abolicionismo”.

Quase todos os relatos acima podem ser encontrados na tese de mestrado da historiadora Andressa Capucci – USP/2011. Esta sim, uma obra que poderia ser editada pela subsecretaria já que feita a partir de fontes primárias, como jornais e processos judiciais da época. Por ora, ficaram somente na versão do boticário. Perfumaria!

Seguem links para que você possa ler todas as obras:

Abolicionismo – Azevedo Sampaio – Original de 1890

Abolicionismo – Azevedo Sampaio – Edição de 2023

Dissertação de Mestrado de Andressa Capucci – 2011

Fonte: Rogério Lemos

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