Esdras de Souza Pereira


Qual seria a melhor maneira de homenagear um grande nome da música brasileira? Uma mensagem de um amigo fraternal? Um post com dados biográficos? Uma compilação de suas obras? Optei por todas elas e assim farei em duas partes:

A mensagem do amigo fraternal – por Jaime Alem

“Jânio, Canela, estes eram os apelidos do nosso amigo em Jacareí; Jânio, por causa dos óculos e do físico longilíneo; Canela, por causa do futebol. Dizem que jogava muito, só não foi para o Palmeiras por causa dos problemas com a visão.

O Esdras é da geração do meu irmão João Marcos, que o conhecia dos jogos de futebol nos campinhos de nossa cidade.

No final dos anos 60 viemos para o Rio. Na primeira leva da nossa turma estávamos eu, a Nair Cândia, Elber Bedaque, Carlos Rocha, Marquinhos Cândia, Luiz Oliveira, o saudoso Ceguinho e a Dola, Maria Auxiliadora Zan.

Não sei como foi, mas de repente o Esdras entrou em nossas vidas através do meu irmão que viera para o Rio estudar. Foi um marco: primeiramente nos levou à CBS, gravadora de Roberto Carlos, para gravarmos um compacto simples. Ali nasceu o grupo vocal “O Rancho”, que mais tarde se tornou um grande conjunto de bailes. A seguir nos colocou em contato com o guitarrista, compositor e produtor Durval Ferreira e assim fomos inseridos nos estúdios de gravação. Daí surgiu a dupla Jaime e Nair.

Essa pequena história ilustra a importância do caráter e das atitudes sempre positivas do nosso Esdras, incentivando, favorecendo, impulsionando e apoiando músicos e artistas de níveis diferentes, do iniciante ao veterano. Em se tratando de música e de talentos, o Esdras nunca disse um não.

As produções do Durval Ferreira contavam não só com o entusiasmo do Esdras, mas também com as ideias. Aprendeu muito com ele. Por muito tempo, em gravadoras diferentes, mesmo não se assumindo como produtor ou diretor artístico, era isso que ele fazia. Muita gente se apropriava de suas ideias: “ah, o Esdras é doidão”, diziam. No entanto, era simplesmente genial com suas ideias “doidas”.

De carregador de instrumentos, ou como dizem hoje, “roadie”, a empresário do Cry Babies, grupo de bailes jacareiense, à medida que ia conhecendo pessoas, músicos e cantores, se tornava o melhor amigo de cada um deles, de Paulinho Trompete, Moisés, Ed Maciel, Maciel Maluco, Márcio Montarroyos, Oberdan Magalhães, Ed Lincoln, Orlandivo, Emílio Santiago, Wilson Das Neves, Antônio Carlos Jobim, Dori Caymmi e, pasmem, a cantora norte americana Sarah Vaughan.

Esdras com família Caymmi – Dori, Dorival e Nana

 

Esdras com Dori Caymmi e Sara Vaughan
Esdras com Tom Jobim e Sílvio César

Foi um dos propulsores do grupo Azymuth, amigo eterno do genial José Roberto Bertrami, Alex Malheiros e Ivan Conti, esse último, capítulo à parte, era como irmão: o grande Mamão, um dos maiores bateristas do mundo.

Muito chegado ao também baterista Wilson das Neves, o Esdras foi responsável por ele ter se tornado cantor. Em meu estúdio, em frente à casa do Esdras, nasceu o disco “O Samba é Meu Dom”. Em todas suas entrevistas, o Wilson fazia questão de dizer que dois grandes homens marcaram sua vida e sua carreira: seu pai e o Esdras.

Quando o Jotinha (Maestro Jota Moraes) veio para o Rio, fui com o Esdras para convocá-lo para uma de nossas gravações. O Esdrinhas era assim: reconhecia o talento do músico e o apoiava ao máximo, e claro, tornava-se amigo, para sempre.

Quando algum artista ficava por baixo ou saía de cena, ele aparecia para resgatar e trazer de volta à luz. Assim foi com o Quarteto em Cy, que gravou vários discos pela CID em produções do Esdras, com participação de Maria Bethânia, Antônio Carlos Jobim, Chico Buarque, MPB4 e muitos outros. Recolocou no mercado Bezerra da Silva, Dicró e Moreira da Silva, quando lançou o genial  LP “Os Três Malandros In Concert”, uma paródia dos três grandes tenores, Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti. Tive a honra de dividir com ele essa produção, misturando arranjos sinfônicos com samba.

Sempre fiel ao amigo Durval Ferreira, que fez sua passagem devido a uma grave enfermidade, acompanhando-o no leito até o último momento.

Do casamento com Isabel Agostinho, nasceu João Gilberto (nome em homenagem ao gênio da bossa-nova), filho dedicado que cuidou dele com todo o carinho, dando-lhe toda assistência nos últimos anos, principalmente nos dias difíceis que precederam sua morte.

O Esdras tem muitas famílias no Rio. A Amanda Bravo, filha de Durval Ferreira, o tem como pai; eu, Nair e Tomás o temos como pai, irmão e nos últimos tempos, como filho. Foi muito duro para todos da família Esdras no Rio vê-lo partir.

Esdras, Jaime Alem, Paulinho Trompete, Amanda Bravo, Nildé Ferreira

Suas histórias correm o mundo e não houve neste planeta um músico que tenha passado incólume diante da presença do Esdras, essa figura genial, o cara mais generoso e bom que eu conheci.

Um dia eu conto mais. Até lá!”

– A homenagem de um jacareiense que mal o conhecia, mas que aprendeu a admirá-lo, pela sua grandeza musical

Há alguns anos, nessa mania que tenho de escrever sobre Jacareí e fazer projetos acerca de tudo que envolve nossa história e cultura, marquei um encontro com o Maestro Jaime Alem para apresentar uma ideia que tinha para a LIC – Lei de Incentivo à Cultura.

Marcamos no shopping. Lá pelas tantas, chegou o Jaime carregando uma sacola de feira, dessas, bem simples. Junto dele, vinha um senhor de certa idade, bem magrinho, que eu nunca tinha visto. Sentamos. Da sacola, Jaime tirou um notebook da Apple para fazer suas anotações (deve ser um jeito “carioca” de evitar assalto). Antes do café e das ideias, ele me apresentou ao Esdras Pereira, o principal responsável por seu sucesso no Rio. Que bacana!  Disse-me ainda que o “Esdrinhas” era produtor, diretor etc e tal, tendo trabalhado com muitas artistas, de Bezerra da Silva a Tom Jobim.

Nesta hora, minha ficha caiu: o que eu tava fazendo ali diante daquelas feras? Eu, que desafino até tamborilando uma caixinha de fósforo. Que vergonha! Resumindo, o projeto saiu para o papel, mas não foi aprovado na Fundação Cultural. Ainda tá guardado, quem sabe um dia….

Nestes caminhos tortuosos que a vida traça, tempos depois conheci o José Pereira, irmão do Esdras, que me ajudou a escrever esta minibiografia, a qual tenho, por obrigação levar ao conhecimento de todos vocês. Não é para isso que serve um “guardião da memória jacareiense”, como diz meu amigo Waldir Capucci?

Esdras e seu irmão José Pereira

Esdras de Souza Pereira nasceu em 22 de março de 1943, filho de Nestor de Souza Pereira (Seu Nestor, porteiro da Escola Coronel Carlos Porto, até a aposentadoria) e de Benedita Arantes Pereira (Dona Benedita, servente da Escola “Prof. Herminia Silva de Mesquita – Vila Pinheiro).

Esdras cursou o primário no Carlos Porto e secundário no Antônio Afonso. Gostava muito de futebol e no meio esportivo era conhecido por “Canela”.  Fundou o Paulista e depois o Vila Formosa Futebol Clube, ambos da região da Vila Formosa. Além disso, jogou no Palestra, no Vasquinho e outros times da várzea jacareiense.

O “Canela” no Vila Formosa Futebol Clube

Sobre sua carreira musical, nem vou me estender. O Jaime já  a ilustrou muito bem, em sua homenagem. Excelente profissional, atuava magistralmente, sendo conhecido e respeitado por todos os músicos e profissionais do meio. Vários artistas o tinham como “padrinho”.  “Era uma enciclopédia, em termos de histórias de bastidores de gravações de tantos artistas famosos. E nunca foi devidamente reconhecido”, disse recentemente uma das integrantes do Quarteto em Cy.

Quarteto em Cy, maestrina Célia Vaz, Maria Bethânia, Esdras e Serginho Carvalho

Sem esquecer nossa cidade, em 1972, trouxe para o Cine Rio Branco, uma apresentação musical de vários artistas da novela Irmãos Coragem (Claudio Cavalcanti, Carlos Eduardo Dolabella, Lucia Alves, dentro outros), acompanhados de Durval Ferreira e Mauricio Einhorn.

Esdras foi casado uma única vez, com a portuguesa Maria Isabel, separando-se em 1985 e divorciando-se somente vinte anos depois. Da união, nasceu o filho João Gilberto. Não tinha netos, fora o cachorro Arnold, tratado como tal.

Esdras e a esposa Isabel Agostinho (à esquerda, sua mãe, Dona Benedita)
Esdras e o filho João Gilberto

Grande Esdras, amigo dos músicos e dos artistas. Um homem de “coração de ouro”.

 

Esdras entre Cartola e Sérgio Cabral (pai)
Esdras com Wilson Simonal
Esdras com Zeca Pagodinho
Esdras com Emílio Santiago

Esdras com João Donato
Esdras com Bezerra da SIlva
Esdras com Jorge Aragão

Esdras com Arlindo Cruz

2 Replies to “Esdras de Souza Pereira”

  1. Olá.
    Em uma das oportunidades em que o Maestro Jaime Alem esteve em meu Atelier de Luthieria aqui em Jacareí/SP, veio acompanhado por um senhor e o apresentou à mim. Foi quando tive a honra de conhecer o Esdras. Ficou encantado com meu atelier principalmente sendo na cidade que ele gostava muito.
    Foi um dia que não esquecerei, pois a generosidade de seus comentários me deixa contente até hoje.

  2. Sou jacareiense, me lembro de meus pais e irmãos falarem do Esdras. A leitura desta minibiografia foi leve, gostosa, fluiu com muito carinho. É tão bonito ver a gratidão e respeito, expressos de uma forma harmoniosa e amorosa. Sou do tempo em que Jacareí toda se conhecia, rsrsrs. Parabéns aos escritores! Esdras, quando dizem que o que se leva da vida, é a vida que se leva, dizem a verdade. Que orgulho de você! Só deixou excelentes lembranças na memória de quem conviveu com você!!!

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